Especialista em comportamento humano explica estágios emocionais enfrentados em tempos de coronavírus.
Você já parou para pensar no turbilhão de emoções sentidas neste período em que o mundo todo enfrenta a crise do coronavírus? Culpa, incertezas, ansiedade, pessimismo, otimismo… Para ilustrar as fases que enfrentamos durante o momento, um especialista em comportamento humano desenvolveu a Matriz das Fases Emocionais na Gestão de Crises, que traça os 18 estágios pelos quais passamos até a superação da crise emocional.
A ferramenta foi desenvolvida pelo escritor e palestrante Gabriel Carneiro Costa – que participou de uma live transmitida nas redes sociais do Hub Trinova. O formato da matriz se parece ao de uma montanha-russa: tem as oscilações frenéticas entre os altos e baixos da energia que nos move.
“Toda crise tem um início, um fim e um aprendizado. Nós também aprendemos com ela após o fim, e isso é importante”, afirma o palestrante, um estudioso dos dilemas humanos e da educação emocional.
Com a matriz, o autor quer ajudar as pessoas a identificar os momentos pelos quais passam e a enfrentar melhor o período da pandemia da Covid-19. O estudo explica até o porquê muita gente propaga notícias falsas e minimiza a crise.
A ferramenta é uma adaptação de outra matriz criada pela Universidade de Rochester, de Nova Iorque, para gerenciar a crise pós-ataques de 11 de setembro de 2001.
Defensor da desconstrução de promessas de autoajuda e das carreiras idealizadas, Costa já escreveu livros como o “Não me Iluda!” e “À sombra da cerejeira”, este último que aborda a importância de conversas profundas e provocadoras. O autor estuda há anos as relações humanas, a felicidade, o equilíbrio e o sentido da vida. Ele trabalha com gerenciamento de crise em conselhos de empresas e também pessoais.
“Quando a gente vai trabalhar conflitos, estamos trabalhando com as relações humanas, que nos levam para conflitos”, observa o pesquisador ao argumentar sobre a importância de entender as fases do comportamento humano durante a pandemia.
FASES DA MATRIZ
1. AVISO E AMEAÇA
Momento em que o cérebro fica atento a possíveis mudanças. Ocorreu quando começaram a ser noticiados os primeiros casos de infeção pelo coronavírus em Wuhan, na China, e o rápido avanço da doença para outros países. “E aí a gente começa uma divisão de públicos. Tem uma parte que vai dizer ‘essa crise vai me pegar, tenho que me preparar’. E outra que fala ‘não, essa crise não vai me pegar, não vai vir”, pontua Costa.
2. CRISE/EVENTO
O escritor explica que o início desta fase varia de pessoa para pessoa, pois depende do momento em que a rotina é impactada de alguma forma pela Covid-19. No Brasil, a crise começou a ser enfrentada após a primeira confirmação de caso positivo do novo coronavírus, no final de fevereiro. “As pessoas podem estar mais à frente ou mais atrás desta fase, numa escala de tempo, dependendo da região do país”, pondera.
3. PÂNICO E NEGAÇÃO
Uma parte da população começa a ter crises de pânico e ansiedade. Aumenta o compartilhamento das fake news, numa tentativa de justificar o pânico. Outras pessoas são negacionistas; minimizam a gravidade da pandemia e desqualificam as opiniões contrárias.
4. DESORIENTAÇÃO
No decorrer do enfrentamento à pandemia, as pessoas se perdem em meio a tanta orientação e dualidade de informações. “A gente busca referências de uma forma desesperada e, em meio à enxurrada de notícias falsas, ficamos ainda mais neuróticos”, diz Costa. Ele orienta que haja cautela para evitar o aumento da ansiedade.
5. HEROÍSMO E ALTRUÍSMO
Há uma consciência temporária de necessidade de ajudar o próximo. Instituições de ensino começam a oferecer cursos gratuitos e plataformas de streaming liberam filmes para não assinantes, por exemplo. Costa diz que nesse momento as pessoas passam a “romantizar a crise”, idealizando promessas vazias como ler vários livros, emagrecer e fazer atividades diferentes com a família. “Como a euforia não se sustenta ao todo, acabamos nos frustrando. E é isso que preocupa”, observa o escritor.
6. BARGANHA
Num momento de previsões que não se concretizam em relação ao fim do isolamento, começam as negociações pessoais e interpessoais e as promessas em orações, ignorando as consequências futuras. Isso inclui aumentar os gastos, já que há uma expectativa de poupar dinheiro depois, por exemplo. É uma fase que exige mais cuidado nas ações, porque tudo é incerto.
7. CANSAÇO
As frustrações por conta das promessas não compridas aumentam, e o longo período de crise já é bastante incômodo. Os dias passam a ser mais entediantes, e as pessoas começam a sentir menos energia para a realização das atividades do dia a dia.
8. ESTRESSE
A sensação de cansaço aumenta e desencadeia o estresse. A crise é agravada com o aumento da polarização entre as pessoas, que se tornam ainda mais intolerantes com o próximo. “Quando o ser humano perde o controle emocional, não quer perder o controle da opinião. E aí volta a divisão de opiniões”, acrescenta o estudioso das relações humanas.
9. RAIVA E CULPA
A dificuldade em controlar o emocional e a insistência nas opiniões acabam gerando raiva entre as pessoas, que ficam ainda mais ansiosas e com medo. Costa alerta que não é momento de se culpar. “É um sentimento retroalimentado pela culpa, por aquilo que eu não fiz: ‘ah, se eu tivesse me preparado mais para o online, ah, se eu tivesse lido aquele livro, emagrecido. A culpa só vai fazer nós voltarmos toda a nossa matriz”.
10. TRISTEZA
É a fase mais introspectiva da crise. Inversa da raiva e da culpa, não há ação nem reação. As pessoas começam a se abrir para reflexões e para novas visões. “Muitos começam a questionar se as relações são ou não saudáveis e outras coisas que antes não tinham tempo de observar”, diz Costa. Ele acrescenta que é preciso ter controle para que a tristeza não evolua para a depressão e aponta duas saídas para isso: “Uma é pensar em planos de ação, um projeto para não ficarmos parados. A outra é dar e buscar o afeto, o amor”, indica. “Esse papo motivacional de ‘levanta a poeira e vamos sair dessa’ não funciona quando a tristeza está forte. E por isso a necessidade de acolher quem está triste”, acrescenta o palestrante.
11. LUTO COLETIVO
“É o fundo do poço da matriz, quando a gente entende que perdemos. Ponto”, pontua Costa. Para ele, algumas pessoas já chegaram nesta fase. O luto coletivo é o estágio que encerra o período das grandes emoções negativas.
12. ACEITAÇÃO
Ao cederem à perda, as pessoas voltam a ter real consciência do mundo e começam a reagir para o bem coletivo. “É quando a gente dá o gatilho para começar a subir. Mas não conseguimos viver a aceitação sem antes termos ficados nervosos, chorarmos, nos fazermos de vítimas”, explica o autor.
13. COLABORAÇÃO
No momento em que as pessoas aceitam a derrota pela crise, começam a colaborar para a reparação dos prejuízos. É diferente da fase do altruísmo e heroísmo, porque agora é pensado no coletivo, não no individual. As notícias falsas começam a dar lugar ao compartilhamento de conteúdos positivos.
14. MEMÓRIA DO TRAUMA
Em alguns locais, um novo surto de Covid-19 pode fazer com que as pessoas revivam momentos anteriores ao luto. No entanto, segundo Costa, isso ocorre de forma mais sutil, e rapidamente as pessoas voltam ao ponto próximo à superação da crise.
15. NOVOS DEBATES
No processo de retomada a um “mundo normal”, os assuntos discutidos durante toda a crise começam a diminuir. Surgem as discussões nunca feitas, que incluem questões filosóficas, de fé e de valores, além de novas ações e de propostas para o pós-crise.
16. RESILIÊNCIA
Todo o enfrentamento da crise faz as pessoas terem mudanças de crenças e de pensamentos, afirma Costa. Valores e comportamentos são modificados, de acordo com a maneira como as fases pré-luto foram vivenciadas. O foco no futuro é maior e começa a haver mudanças de perspectivas.
17. AÇÃO E ADAPTAÇÃO
O momento já permite a colocação em prática dos planos de ação, enquanto os novos padrões sociais passam a ficar evidentes. As pessoas também trocam experiências das vivências na crise. “A vida, que até então passou por um período de idealização, passa a ser compreendida não como a vida idealizada, mas sim como a possível”, expõe Costa.
18. NOVO SENTIDO
“Quando conseguimos dizer ‘tal crise da minha vida serviu para tal coisa’ é porque superamos a crise”, acrescenta o palestrante. O novo sentido é o marco que separa a crise da volta à normalidade.
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