Regido por Jamil Maluf, grupo de experientes músicos não abre mão da gratuidade dos shows e leva o erudito às escolas públicas.
Experientes músicos se reúnem uma vez ao mês em Piracicaba para afinar os delicados movimentos que dão ritmo aos concertos da Orquestra Sinfônica de Piracicaba (OSP). Comemorando 120 anos em 2020, o grupo quebra a afirmação de que a música clássica é coisa de elite: realiza todas as apresentações de graça e leva às escolas públicas a importância e os prazeres de um bom concerto. E durante o isolamento social, a orquestra sinfônica, voluntariamente, proporciona uma imersão ao mundo erudito por meio de redes sociais.
“Está se criando, de forma positiva, uma contradição em termos entre erudição e elitismo socioeconômico”, avalia o diretor artístico associado da OSP, André Micheletti.
Com 60 integrantes, a sinfônica se apresenta no interior e na capital paulista, além de ter eventos transmitidos pela TV Cultura, e é assistida por todas as idades. Desde 2014, tem como regente titular o maestro Jamil Maluf, um dos mais respeitados do país e que não abre mão da gratuidade dos concertos.
“O maior desafio é levar um projeto dessa envergadura em um país como o nosso. Por sorte, o público reconhece todo o esforço que fazemos para levar música da mais alta qualidade e comparece em massa a nossos concertos”, afirma.
André Micheletti, da OSP (Foto: Rodrigo Alves/OSP)
Segundo o grupo, de 2015 para cá, cerca de 95 mil pessoas assistiram aos concertos no Teatro Erotídes de Campos e Doutor Losso Netto, no gramado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão e na Sala São Paulo, na capital. O Interesse pelos espetáculos é tanto que a OSP tem duas sessões por apresentação e chega a formar fila de espera.
Os programas – como são chamadas as listas de obras selecionadas – contemplam as diferentes influências da música clássica, como Mozart, Bach, Beethoven e Wagner. É um mergulho nas composições arraigadas na cultura, que inclui também músicas do brasileiro Heitor Villa-Lobos. Respeitados maestros e maestrina fazem uma parceria para os shows sempre encantadores.
Com a sensibilidade de Micheletti, que também é professor de Música no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), alguns concertos apresentados pela OSP ganham uma pitada de música popular.
“Esses concertos servem para aproximar, aguçar mais ainda o interesse do público da orquestra e também aqueles que não a conhecem e não estão familiarizados com o repertório de música de concerto. Depois de ouvir o som de uma orquestra ao vivo, difícil não querer ouvir novamente”, defende o músico.
Como resultado dessa mistura, lotação no gramado da Esalq em janeiro de 2020 e mais de 7 mil pessoas em apresentação com The Beetles One – cover dos Beatles, em parceria com o Projeto Guri.
Apresentação com The Beetles One, cover dos Beatles (Foto: Rodrigo Alves/OSP)
Até antes da pandemia do novo coronavírus, os integrantes se reuniam em uma tarde ao mês em Piracicaba. Na semana desses encontros, também ocorriam os eventos pedagógicos.
OSP NAS ESCOLAS
A orquestra que leva o nome da cidade em que o peixe para realiza projetos pedagógicos para alunos da rede pública de ensino de Piracicaba. De acordo com a OSP, 6,8 mil crianças foram atendidas pelos projetos entre 2016 e 2019. As iniciativas são:
- ABC do Dó Ré Mi: alunos visitam o Teatro Municipal Doutor Losso Netto para um “show-concerto”. O objetivo é que eles comecem a se familiarizar com uma orquestra sinfônica;
- Música nas Escolas: uma mistura de concerto e aula, com participação do quarteto de cordas, madeiras e metais da OSP, mostra como a música clássica está inserida na rotina. São trabalhadas composições temas de filmes ou desenhos, além de canções célebres. Os integrantes explicam como funcionam os instrumentos;
- Pequena Grande Orquestra: aulas de violino são oferecidas a 72 estudantes, com objetivo de formar uma orquestra infantil.
“Quando a música acontece no palco, levando concertos para a população de forma gratuita ou quando a orquestra promove seus projetos educativos, tudo é pelo social, é pela qualidade de vida de uma comunidade”, acrescenta Micheletti.
#OSPEMCASA
Em meio à pandemia do novo coronavírus, a OSP também abraçou as plataformas digitais para se manter próxima dos apreciadores da música clássica. Lançou, em abril, o projeto #OSPemCasa”, que promove lives, postagens de concertos, entrevistas e apresentação solo dos instrumentistas nas redes sociais. Tudo ocorre com o trabalho voluntário da equipe.
O momento de isolamento social também foi aproveitado para reapresentações marcantes da sinfônica a partir de 2015, ano de sua reestruturação.
— A orquestra se reinventou para comemorar o aniversário de 253 anos de Piracicaba e lançou uma releitura inédita orquestral do clássico Rio de Lágrimas, conhecido como o “Rio de Piracicaba”.
Clique para ver como ficou a homenagem e conferir uma seleção de vídeos da OSP
VELHA ORQUESTRA MODERNA
Em 24 de março de 1900, na Matriz de Santo Antônio, o público acompanhava a primeira apresentação da sinfônica, então conduzida pelo maestro Lázaro Lozano. Antes, a OSP era conhecida como Orchestra Piracicabana, Orquestra Piracicabana de Amadores, Orquestra de Amadores Benedito Dutra Teixeira e Orchestra do Teatro-Cinema de Piracicaba.
— Apenas 94 anos depois da fundação o grupo de músicos recebeu o nome Orquestra Sinfônica de Piracicaba, dirigida por Hélio Manfrinatto, Olênio Veiga e Egildo Pereira Rizzi, que foi regente da orquestra entre 1996 e 2012.
Há oito anos, o atual diretor artístico recebeu o convite do maestro Egildo Pereira Rizzi, ex-professor de música dele, para repaginar as atividades e a organização da OSP. Como Micheletti não é maestro, foi com a mulher, que também é instrumentista, fazer o convite a Maluf. “Saímos numa tarde de sábado não com uma resposta vaga, mas com um estrondoso ‘sim, eu topo’”, lembra Micheletti, que dirigiu a orquestra de 2013 a 2014.
Aos poucos, uma gestão moderna e o suporte da iniciativa público-privada contemplaram a OSP. Hoje, são entre 10 e 12 concertos por ano. Antes, eram três, de acordo com a sinfônica.
Em 2015, novos instrumentistas profissionais e estagiários foram admitidos para a OSP, finalizando o processo de reestruturação completa da orquestra. Foi nessa mudança em que houve a inclusão dos programas pedagógicos.
Maestro Jamil Maluf, regente titular da OSP (Foto: Rodrigo Alves/OSP)
JAMIL MALUF, O MAESTRO QUE REINVENTA A OSP
Piracicabano nascido em 1955, Jamil Maluf sentiu logo na infância o amor pela música. Começou a estudar acordeon, mas a afinidade mesmo era pelo piano, instrumento que o irmão também tocava. Mudou-se para São Paulo na adolescência, quando descobriu que o erudito era o que tocava seu coração.
“Meu pai passou a comprar a primeira edição de música erudita que a Abril havia lançado. Até aquele momento minha relação era com a MPB. Eu compunha e tocava canções minhas e de outros compositores”, relembra.
Maluf foi morar na Alemanha para estudar Regência Orquestral, na Escola Superior de Música de Detmold. A princípio, a mudança para o país ocorreu após uma promessa de bolsa de estudo não foi concretizada.
Mas isso não interrompeu o sonho do jovem: o piracicabano atuou como regente de orquestras e participou dos Seminários para Regentes, com o maestro Sergiu Celibidache, um dos mais influentes da Europa.
Depois de voltar ao Brasil em 1980, Maluf tornou-se regente titular da Orquestra Sinfônica Jovem Municipal, do Theatro Municipal de São Paulo. Foi diretor artístico do teatro durante 5 anos. Lá, atuou por 34 anos e criou a Orquestra Experimental de Repertório, que existe até hoje.
Já em 2000, foi escolhido regente titular da Orquestra Sinfônica do Paraná e assumiu, por duas vezes, a regência da Orquestra do Festival de Inverno de Campos do Jordão.
A dedicação profissional de Maluf garantiu a ele, por cinco vezes, o prêmio de Melhor Regente de Orquestra pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), o Prêmio Carlos Gomes, como Melhor Regente de Ópera, e o Prêmio Maestro Eleazar de Carvalho, como Personalidade Musical do Ano.
Mas não é só nas apresentações da orquestra que Maluf interage com o público. Ele apresentou programas na TV Cultura e até hoje tem um programa na Rádio Cultura FM, da capital paulista.
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