BIOTECNOLOGIA, ROBÓTICA, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E ENERGIA SÃO ALGUMAS DAS ÁREAS COM AS QUAIS ESTE NOVO SEGMENTO DE STARTUPS PRETENDE TRABALHAR PARA MUDAR O MUNDO
Elas chegaram há pouco tempo, mas prometem agitar o mundo empresarial com a aplicação de muita ciência e tecnologia a fim de atingirem o impensável. Elas são as deep techs. Este grupo de novas empresas pretende, ao contrário das startups atuais, não apenas aperfeiçoar o que já existe, mas trabalhar naquilo que sequer podemos imaginar nos dias de hoje. O termo vem do inglês e significa “tecnologia ou inovação profunda” e foi criado pela CEO da companhia de investimentos Propel(x), Swati Chaturvedi, exatamente, a fim de diferenciar as startups tradicionais daquelas cujos negócios são solidamente fundamentados em campos como a matemática, a física, a biologia e a engenharia e que abraçam sem medo conhecimentos complexos ou resoluções de problemas de alto impacto em um mercado, cada vez mais, baseado em necessidades de informação e automação, atuando nas áreas de inteligência artificial, bio e nanotecnologia, robótica e internet das coisas, por exemplo.
PAÍSES NA VANGUARDA
De acordo com o Boston Consulting Group, as atividades de investimento em deep techs, entre os anos de 2015 e 2018, estavam concentradas nos Estados Unidos e na China, totalizando 81% dos investimentos privados globais, sendo 32,8 bilhões de dólares nos Estados Unidos e 14,6 bilhões de dólares na China. O país extremo-oriental atuou como principal impulsionador dos investimentos, com aumento de 80% ao ano durante este período, em comparação com 10% ao ano da nação norte-americana.
Israel é outro destaque. Em janeiro de 2020, havia mais de 150 empresas nacionais de alta tecnologia, desenvolvendo produtos baseados em deep techs. Dados apontam que elas arrecadaram 5,52 bilhões de dólares em 373 negócios, durante o período de 2010 a 2019.
Segundo o relatório “2021: The Year of Deep Tech”, elaborado pelo Dealroom, principal provedor de dados sobre startups, empresas em crescimento e ecossistemas de tecnologia da Europa, a trajetória de desenvolvimento deste tipo de empresa e os investimentos atuais no setor movimentam, anualmente, mais de 12 bilhões de dólares no continente. As startups do Reino Unido (com 14,57 bilhões de dólares), da França (com 6,19 bilhões de dólares) e da Alemanha (com seis bilhões de dólares) lideram os investimentos entre os europeus desde 2015.
A professora, pesquisadora e coordenadora do curso de Ciências Atuariais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Elizabeth Borelli, lembra, porém, que os ecossistemas locais mais focados em deep techs estão situados, atualmente, na Escandinávia. Noruega (com 38%) e Finlândia (com 37%) são as nações que apresentam a maior porcentagem de todo o capital de risco canalizado para as deep techs no continente. Mais ao sul, na Europa Central, a Áustria (com 32%), vem na sequência.
E O BRASIL?
No Brasil, ao mesmo tempo em que há potencial intelectual para a abertura deste tipo de companhia, por outro, há carência de infraestrutura pública e privada que apoie e viabilize esse mercado, sendo necessário que ocorra maior abertura por parte das empresas para o teste de novas tecnologias e a agilização da comunicação entre a grande empresa e a startup.
A professora explica que a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento, a dificuldade de obtenção de matérias-primas, a ausência de incentivos fiscais e a elevada tributação são desafios a serem vencidos e que o caminho é a construção de um ecossistema robusto de deep techs, com a presença de uma cultura empreendedora por parte dos pesquisadores em situações de negócios.
“Penso que há três grandes grupos de desafios a serem enfrentados: a realização de um programa maciço de investimentos em pesquisa nos centros tecnológicos e nas universidades; a simplificação do processo de transferência tecnológica entre academia e indústria; e o incentivo à participação de pessoas físicas e jurídicas, através de políticas públicas que incentivem o capital de risco, visando avanços tecnológicos com repercussões positivas para a sociedade. Para solucionar estes e outros problemas, o Brasil precisa aumentar, significativamente, o seu investimento em ciência e inovação e fortalecer a chamada ‘Tríplice Hélice’, que conecta empresas, universidades e governo e permite a geração e a transferência de conhecimento científico para promover criações que, efetivamente, atendam as demandas da sociedade”, esclarece Elizabeth.
Ela continua dizendo que “de acordo com o Índice Global de Inovação, que mede o nível de inovação de cada país, a média de investimento nesta área em todo o mundo está situada em 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. No Brasil, o investimento é de apenas 1,28%. Desse total, as organizações públicas, como universidades, incubadoras e programas de incentivos estatais, recebem investimentos da ordem de 0,64% do PIB para pesquisas e desenvolvimento de produtos e serviços e as empresas e instituições privadas contribuem com o mesmo percentual, 0,64%, ou seja, o Brasil investe muito pouco em inovação”.
É VANTAJOSO INVESTIR?
De acordo com a pesquisadora é vantajoso investir nas deep techs por conta da atração que elas têm causado nas grandes empresas do mercado de tecnologia, com possibilidades de formação de parcerias de inovação abertas a startups menores, em especial, nas áreas de controle do aquecimento global, da automação industrial, da alimentação sustentável, da indústria de transformação, de novos modelos de trabalho, da cura de doenças, da acessibilidade à saúde e do monitoramento desta à distância. No entanto, ela explica também que existem desvantagens e é preciso conhecê-las, em especial, por, na atualidade, haver um nível de incerteza e de risco expressivos para a aplicação de dinheiro nestas companhias, onde, muitas vezes, os modelos e propostas estruturadas ainda não possuem uma base de estudos bem consolidada, devido ao grau de novidade do próprio desenvolvimento científico, o que pode resultar no fracasso de um projeto ou gerar um retorno insatisfatório.
PARA ENTRAR DE CABEÇA!
Para mergulhar neste mundo das deep techs, a professora recomenda antes o desenvolvimento de conhecimentos sobre inteligência artificial, machine learning e o uso eficiente de dados aplicados a planos de negócios, bem como, o estabelecimento de conhecimento na área estatística, em algoritmos, em programação, em estruturação de dados e em softwares como SQL, Excel, Python, R e MySQL. Além disso, ela explica ser necessário saber sobre modelagem e análise de dados, ETL, coleta e transformação de dados, bancos de dados relacionais, NOSQL e afins.
O mais importante, porém, segundo Elizabeth, é ter uma visão de mundo que inclua o empreendedorismo como condição para a aplicabilidade dos conhecimentos relacionados às deep techs. “Vale lembrar que o envolvimento com inovação tecnológica requer, antes de tudo, vontade e força para enfrentar desafios”, completa.
0 comentários