Conheça a história de Flicts, livro que revolucionou a literatura infantil brasileira.
20 de julho de 1969. Foi nesta data que o homem pisou na lua pela primeira vez. Neste mesmo mês, o escritor Ziraldo escreveu e lançou seu primeiro livro infantil, o clássico “Flicts”, que se tornou um divisor de águas na literatura do Brasil. Coincidências rondam estes dois acontecimentos: ambos foram estreias e completam 50 anos em 2019. Mas existe um fato que une estas histórias para além dos acasos – a lua é Flicts! Sim, a cor da lua é Flicts e quem tá dizendo isso não sou eu, nem o Ziraldo, é o próprio Neil Armstrong, um dos astronautas do Apollo 11. Eu explico melhor, vamos lá…
Em 1969, Ziraldo queria lançar uma coletânea com os cartuns de seu personagem “Jeremias, o Bom” que eram publicados na imprensa e procurou o Fernando de Castro Ferro, editor na Expressão e Cultura. O editor aproveitou a oportunidade e perguntou se Ziraldo tinha um livro infantil para ser publicado em um prazo curtíssimo. O escritor respondeu que sim, mas, na verdade, não tinha nada produzido e voltou para casa desesperado para escrever pois havia se comprometido a entregá-lo dois dias depois.
Produzido no contexto da ditadura militar, o livro conta a história da cor Flicts (de um tom terroso bege) que não encontra o seu lugar no mundo e se sente excluída por não ser tão forte quanto o vermelho, por não ter a imensidão do amarelo e nem a paz do azul.
Criar tantas ilustrações em tão pouco tempo seria uma tarefa impossível e foi por esse motivo que ele optou por usar cores como personagens. Deu certo e Fernando achou a ideia de não usar ilustrações uma inovação revolucionária, já que este seria também o primeiro livro a ser publicado totalmente a cores no país. O nome foi escolhido a partir de uma interjeição da tirinha “The Supermãe”, publicada por Ziraldo no Jornal do Brasil.
De forma poética, abstrata e sensível, possibilita uma interpretação aberta, dependendo das referências de cada leitor. Para uns, Ziraldo fala de liberdade e exílio; para outros, de preconceito e diversidade.
“Quando eu terminei, percebi que tinha feito um livro fora dos padrões”, contou Ziraldo em entrevista ao Uol, em julho de 2019. “Tem livro que permanece, tem livro que fica logo esquecido. Flicts foi um desses livros que permaneceram”, disse o autor.
Ziraldo sempre foi apaixonado pelos astros, planetas, estrelas e astronautas. A conquista do espaço no mesmo ano da produção do livro foi a deixa para o artista escrever o final de seu livro. Flicts, que não tinha lugar na Terra, descobre ser a cor da Lua.
Flicts na lua
Três meses depois do homem pisar na lua pela primeira vez, Flicts já era um sucesso editorial no Brasil, com sete mil exemplares vendidos. Foi então que o astronauta Neil Armstrong veio para o Brasil.
Armstrong foi apresentado a Ziraldo e à filha Daniela Thomas, então com 10 anos. O autor lhe presenteou com uma versão de Flicts traduzida para o inglês. O astronauta abriu o livro, leu inteiro e disse: “Você está certo”. Em seguida, lhe deu um bilhete com a frase “A Lua é Flicts”, que passou a integrar todas as edições seguintes do livro.
No livro, Ziraldo “profetizou” e escreveu em forma de poema antes mesmo de Armstrong confirmar com seu autógrafo:
“Mas ninguém sabe a verdade (a não ser os astronautas) que de perto, de pertinho, a Lua é Flicts”
50 anos
No total já foram vendidas 500 mil cópias de Flicts e há versões em inglês, japonês e esperanto. A obra virou referência para designers e ilustradores e faz sucesso entre todas as gerações. Inclusive, Flicts foi reconhecido pelo escritor Carlos Drummond de Andrade – um dos maiores ídolos de Ziraldo – que publicou uma crítica na época do lançamento:
“O conto contado por Ziraldo só merece um adjetivo, infelizmente desmoralizado: ‘maravilhoso’. Não há outro, e sinto a pobreza do meu cartuchame verbal, para definir ‘Flicts’. Mas exatamente nisso está uma das maravilhas de ‘Flicts’: não carece de definição. É.”
Foi com Flicts que Ziraldo descobriu que poderia ser um escritor infantil. Até então, ele era um respeitado cartunista, mas não era considerado um escritor. De Flicts surgiu outro grande sucesso do autor, “O Menino Maluquinho”, que seria lançado mais de 10 anos depois, em 1980, e até hoje imbatível em vendas. Os dois livros são reimpressos todos os anos desde que foram lançados.
Para comemorar os 50 anos de Flicts, foi lançada uma edição especial que resgata a versão original, com 80 páginas. Duas exposições sobre Ziraldo foram realizadas em São Paulo como comemorações.
Aos 86 anos, Ziraldo, no entanto, não participou pessoalmente das comemorações do cinquentenário do livro. O cartunista afastou-se da vida pública após sofrer no final de 2018 três AVCs (acidente vascular cerebral). Sua filha, a cineasta Daniela Thomas, tranquilizou os fãs e disse que ele está bem de saúde, porém com problemas em se lembrar de fatos recentes.
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