O INCRÍVEL LEGADO ARQUITETÔNICO DE UM GÊNIO BRASILEIRO AO ALCANCE DE TODOS
Uma das maiores belezas da arquitetura, sem dúvida nenhuma, ao contrário de outras artes, é o fato de podermos apreciá-la sem a necessidade de visitarmos um museu, um teatro ou um cinema.
Essa grande magia está exposta em muitos dos cantos perdidos de nossas cidades e nem nos damos conta. Eventualmente, podemos passar por estas incríveis obras sem ao menos percebermos os seus encantos ou conhecermos a sua história.
Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho, ou simplesmente, Oscar Niemeyer, é reconhecido mundialmente como uma das figuras-chave da arquitetura moderna. Carioca da gema, nascido em 1907 e falecido em 2012, em decorrência de uma infecção respiratória, foi casado por duas vezes. A primeira, em 1928, com Annita Baldo, com quem dividiu a vida por 75 anos, até a morte desta, em 2004. Deste casamento ele teve a única filha, a também arquiteta Anna Maria Niemeyer, nascida em 1930, que deu a ele cinco netos, treze bisnetos e quatro trinetos, e que faleceu em 2012 (mesmo ano do pai), aos 82 anos de idade. Viúvo desde 2005, casou-se novamente em novembro de 2006, agora com sua secretária, Vera Lúcia Cabreira.
Percorreu o mundo todo, espalhando seu legado artístico por diversos continentes, de Brasília à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York; do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, à Universidade Mentouri de Constantine, na Argélia; do Edifício Copan, em São Paulo, à Universidade de Haifa, em Israel; do
Conjunto Arquitetônico do Parque do Ibirapuera à sede do Partido Comunista Francês; dos Sambódromos da Marquês de Sapucaí e do Anhembi ao Memorial da América Latina. O arquiteto multifacetado deixou a sua marca indelével para a posteridade, tendo sempre em vista “a melhoria do ser humano”, como ele mesmo dizia. O interior do estado de São Paulo, por exemplo, também é salpicado de obras do arquiteto e você poderá conferir a seguir toda a versatilidade e grandiosidade de algumas destas criações.
EDIFÍCIO ITATIAIA CAMPINAS – 1957
Construído a partir de 1953 e inaugurado quatro anos mais tarde, com quinze andares e sessenta apartamentos, o “Itatiaia” é um exemplar típico da arquitetura moderna de meados do século 20, sendo o primeiro edifício vertical de uso exclusivamente residencial no Centro de Campinas até o início da década de 1960. Além disso, é o único prédio na cidade que atende à maioria dos princípios modernistas postulados pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier. A ideia de erguê-lo partiu dos empresários Ralpho Fonseca Ribeiro e Ruy Hellmeister Novaes, que, posteriormente, veio a ser prefeito de Campinas em dois mandatos (1956-1959 e 1964-1969). Em abril de 2011, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC) tornou-o um bem tombado, considerando-o parte cultural e social do município, sendo o único projeto concluído do arquiteto na cidade.
Foto: Fa-Souza-Freitas
Foto: Luciano Avanco
PARQUE DO PEÃO BARRETOS – 1985
Foto: Divulgação (Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo)
Em 1984, após uma edição em que a chuva e o vento prejudicaram em demasia a realização da “Festa do Peão de Boiadeiro”, que já acontecia desde 1956, e também, a fim de atender ao número crescente de espectadores, cujo antigo local já não podia mais suportar, foi proposta pelo presidente da associação “Os Independentes”, responsável pela
realização do espetáculo, Mussa Calil Neto, a construção de uma nova arena em uma propriedade de quarenta alqueires fora do perímetro urbano de Barretos. Apesar da resistência inicial de integrantes do grupo, ele insistiu em colocar em prática, no ano seguinte, a primeira edição da “Festa do Peão” fora do recinto “Paulo de Lima Correa”. Em virtude da concorrência aberta para a apresentação de projetos para a construção de um novo parque ter se mostrado infrutífera, o presidente entrou em contato com Niemeyer e pediu que ele elaborasse a planta baixa do futuro local de realização do evento. O arquiteto aceitou o convite e o fez sem cobrar nada, principalmente, em virtude do caráter de preservação da cultura e das tradições regionais. No mesmo plano de obras estavam previstas áreas para restaurantes, estacionamento, estandes e o estádio de rodeios, inaugurado somente em 1989. O público que, nos primeiros tempos, girava em torno de três a quatro mil pessoas e que, antes do projeto de Niemeyer, no seu auge, contou com, no máximo, treze mil, atualmente, perfaz uma média de novecentos mil espectadores por edição.
TEATRO ESTADUAL DE ARARAS ARARAS – 1991
Foto : Nelson Kon
Concluído em apenas seis meses, o Teatro Estadual “Maestro Francisco Paulo Russo” conta com 466 lugares em seu auditório principal e outros 126 em seu auditório menor, localizado no subsolo. Entre os anos de 1995 e 2005, o local foi equipado com todas as instalações necessárias para os mais diversos eventos de manifestação cultural local, nacional e internacional e, a partir de 2004, passou a ser administrado pela Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA). Existe na edificação, independente do teatro, um local destinado a congressos, conferências, cursos e afins, provido, não apenas dos auditórios já mencionados, mas também de salas de reuniões, área para a direção do teatro, foyer (com pequeno espaço para exposições), subsolo do palco e camarins.
PROJETOS QUE NÃO SAÍRAM DA PLANTA
Oscar Niemeyer desenvolveu ainda uma série de projetos para serem abrigados por diversas cidades do interior paulista, porém, muitos deles não saíram do papel por uma série de fatores. Confira abaixo uma lista com três destas obras que ainda não puderam ver a luz do Sol, mas que em algum momento podem ser construídas para serem devidamente admiradas.
PAÇO MUNICIPAL DE AMERICANA AMERICANA – 1997
Estimada, a princípio, em R$9 milhões, a proposta do novo Paço Municipal de Americana, cuja construção deveria ter tido início em 1999, nunca saiu do papel. Engavetada, previa a instalação de todas as secretarias, um auditório e um novo espaço para a Câmara Municipal, em uma área de 16 mil metros quadrados. Após uma série de contratempos, foi sugerida a alteração de local para uma área pública de 58 mil metros quadrados, vizinha à Rodoviária da cidade, mas a simples mudança elevaria os custos da edificação em vários milhões de reais, o que deixou a continuidade da obra inviável, ainda que diversas questões de cunho político tenham sido amplamente discutidas durante todo este período para justificar o abandono do projeto. (Ver foto do esboço do projeto na abertura da matéria).
MEMORIAL ULYSSES GUIMARÃES RIO CLARO – 1998
Foto: Esboço de Oscar Niemeyer
Com o intuito de homenagear o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, nascido em Itirapina, à época, pertencente a Rio Claro, o conjunto arquitetônico seria destinado à guarda, custódia, conservação e exposição do acervo do político e do município de Rio Claro. Três edifícios (o Memorial em si, o “Palácio das Artes” e um auditório), seriam interligados pela “Praça das Águas”, onde as pessoas poderiam caminhar sobre espelhos d’água por passarelas. Porém, além da obra não ser levada a cabo, em 2017, a Prefeitura de Rio Claro fechou a fundação responsável por gerir o futuro lugar alegando questões econômicas. Na época, foi assegurado que todo o acervo existente (e que iria ser remanejado para o futuro Memorial) seria resguardado por outros órgãos.
UNIVERSIDADE DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS “DR. DAISAKU IKEDA” ARARAQUARA – 2010
Foto: projeto de Oscar Niemeyer
O projeto, orçado em, aproximadamente, R$40 milhões e com previsão de inauguração para 2011, deveria ter sido edificado em um terreno de quase trinta mil metros quadrados, com área construída de nove mil. Contaria com três prédios e uma rampa fazendo a ligação entre eles. Ao final, três mil alunos teriam aulas gratuitas de instrumentos de madeira, metal, cordas e percussão, além de violão, piano, canto e música popular. Por falta de recursos, no entanto, o plano, apresentado à Prefeitura de Araraquara e à Associação de Amigos do Núcleo de Música de Araraquara (Anmusic), em 2009, por representantes do escritório de Niemeyer, não foi levado adiante.
CURIOSIDADES OSCAR NIEMEYER
CRÍTICA AO ASPECTO ELITISTA DA ARQUITETURA
Niemeyer sempre foi um idealista. Sobre a arquitetura, ele disse que esta “evoluiu a partir do progresso técnico, mas no aspecto social é ruim, porque nosso trabalho é para os governos e os ricos. O pobre não participa em nada. A arquitetura está ligada ao regime capitalista e isso vai continuar assim, o que é péssimo”. Mas completou dizendo que “o papel do arquiteto é lutar por um mundo melhor, onde se possa fazer uma arquitetura que sirva a todos e não apenas a um grupo de privilegiados”.
FORMAÇÃO SECUNDÁRIA TARDIA
Niemeyer não gostava muito de estudar e só completou o segundo grau com 21 anos. Depois de se casar, ele resolveu retomar os estudos e entrou na Escola Nacional de Belas Artes, onde se formou engenheiro-arquiteto em 1934. Iniciou sua carreira trabalhando de graça no escritório do arquiteto e urbanista, autor do Plano Piloto de Brasília, Lúcio Costa.
MEDO DE AVIÃO
Niemeyer dizia ter medo de andar de avião e só fazia isso quando se sentia realmente bem. Certa vez, em Brasília, foi obrigado a sobrevoar as obras da cidade em construção juntamente com o então presidente Juscelino Kubitschek. Conta a lenda que ele só teria subido a bordo após Juscelino tê-lo ameaçado de prisão caso não o fizesse. No Palácio da Alvorada ele só entrou duas vezes. Uma em 1960 e outra em 2003, quando convidado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, fez uma viagem de dois dias do Rio de Janeiro até Brasília, com paradas pelo caminho. Em 2004, aos 96 anos, a fobia o impediu de ir até o Japão para receber o Prêmio Imperial, uma das mais prestigiosas condecorações artísticas em nível mundial.
PRODUTIVO ATÉ O FIM
Em entrevista ao jornal “Correio Braziliense”, em dezembro de 2011, a pouco menos de um ano de sua morte, disse o seguinte, a respeito de sua rotina: “Pela manhã, procuro, em meu apartamento, ler um pouco e organizar melhor, com o apoio inestimável da Vera (sua esposa), a minha agenda. Chego, todos os dias, ao meu escritório de Copacabana no início da tarde. E aí permaneço até às 19 horas, pelo menos. Volto, logo em seguida, para casa ou me dirijo ao restaurante onde gosto de me reunir com os amigos uma ou outra noite. Agrada-me muito manter as velhas e as novas amizades”.
CREME DE ABACATE
Em entrevista ao G1, em dezembro de 2010, seu bisneto, o também arquiteto Carlos Oscar Niemeyer, revelou que “tem uma coisa que ele (Oscar Niemeyer) faz a uns cem anos, que é comer a sobremesa preferida dele, um creme de abacate”, Segundo Carlos, a receita não tem muito segredo, mas a fruta tinha de ser batida com sorvete para ficar cremosa.
FUMANTE ATÉ QUASE O FIM
Apesar de sua longevidade, Niemeyer foi um fumante inveterado pela maior parte de sua vida. Ainda segundo seu bisneto, só parou de fumar, por recomendação médica, após ficar internado por um período em maio de 2010.
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