Nas empresas familiares, a chave para uma vida longa e próspera está no bom planejamento da transição de gerações.
Esse título até parece um trava-línguas: sucessão de sucesso. E a realidade traduzida dessas palavras também pode travar até os mais experientes empresários. Muitos tremem só de pensar na sucessão, e têm medo de planejar um futuro a longo prazo. Mariely Biff, administradora e consultora em agronegócios, especialista em sucessão familiar, diz qual é o momento certo para se pensar nos dias que ainda virão. “A melhor hora para focar na longevidade da empresa familiar é agora. ”
Tudo que você deseja transformar dentro da empresa nos próximos 5, 10, 15 anos, precisa começar a inserir agora, para que de fato seja uma mudança efetiva e que alcance os objetivos da empresa. Segundo ela, é preciso de tempo para que a família amadureça, para que o sucessor seja preparado, e para que o gestor seja preparado para transferir a gestão. “O ambiente também precisa de preparação. Por exemplo, os fornecedores e os clientes devem entender que logo chegará outra pessoa, pois nem mesmo pais e filhos agem exatamente da mesma maneira na liderança”, fala.
Família, propriedade e gestão
Fundamental para iniciar o planejamento sucessório é que cada um dos envolvidos entenda o seu papel. “Quando todos têm conhecimento dos seus respectivos papéis nas esferas da família, da propriedade e da gestão, é o momento de buscar um sucessor que tenha desejo e perfil de continuar o negócio”, fala Mariely. “O principal é que não existam conflitos familiares. Se houver conflito, há riscos de problemas futuros”, completa.
A questão emocional
Quando o assunto é família, é praticamente impossível deixar as emoções de lado. Além disso, no planejamento da sucessão, o gestor atual pode se deparar com sentimentos de perder tudo aquilo que construiu e sonhou. Como colocar isso nas mãos de outra pessoa? “Meu conselho é que se faça de fato uma separação muito clara dos ambientes. Brinco que um almoço de família não é lugar de resolver assuntos do trabalho, e o escritório não é lugar de tratar de problemas familiares. Isso torna tudo muito mais profissional, e evita a mistura de sentimentos”
Outra dica da especialista é que todos busquem muito aprendizado sempre. O gestor atual da empresa com certeza levou anos para aprender tudo que sabe, passou por diversas situações de crise e as superou, e conhece o negócio melhor do que ninguém. É improvável que o sucessor aprenda tudo isso em um curto período de tempo. “Por isso é preciso muita paciência! A experiência do fundador e a inovação do sucessor devem se completar e se equilibrar, e para isso é fundamental ter um olhar sensível”, aconselha.
O tropeço
Dados do Sebrae sugerem que 90% dos negócios brasileiros são familiares. Destes, porém, somente 25% chegam a segunda geração. A causa para esse gap tão grande é fácil de ser identificada: falta de planejamento. Muitas empresas não se preparam para o futuro, e o pensamento “meu avô fez assim, meu pai fez assim, eu vou fazer assim” pode ser uma bomba relógio para o negócio. “As pessoas esquecem que a tecnologia está cada vez mais avançada, que o formato de gestão precisa ser atualizado para se manter num mercado cada vez mais competitivo”, fala Mariely. Conflitos familiares mal resolvidos também colocam um prazo de validade em qualquer empresa.
A chave
Famílias maduras, com gestão eficiente, organização e transparência têm mais chances de obter uma sucessão eficaz. Acima de tudo, quem vê seu legado com um propósito que vai além do dinheiro, que se sente realizado em ver o colaborador querer fazer parte do seu negócio, com certeza terá uma transição de sucesso. “Uma boa liderança ajuda muito para que o processo seja efetivado com qualidade.
O tempo de maturidade das empresas e das famílias também ajuda demais. Para a transformação acontecer de verdade, é essencial mudar o comportamento das pessoas. Todos devem estar bem alinhados para que o negócio seja continuado”, diz a administradora.
História pra contar
Atuando com consultoria em sucessões familiar desde 2011, Mariely tem muitos casos de sucesso para compartilhar, mas esse em específico a marcou. “Um empresário que atendi tinha duas fazendas muito bem estruturadas e organizadas, mas nenhum dos seus quatro filhos tinha o desejo de dar continuidade aos negócios. Ele cogitava inclusive a possibilidade de vender as fazendas. A virada da chave foi criar um conselho de família e sugerir que o gestor da propriedade, que já estava com ele há muitos anos e é uma pessoa de muita confiança, assumisse o comando dos negócios – tanto a parte estratégica quanto a operacional. A família faz reuniões periódicas com ele, e tudo continua muito bem organizado”, conta.
Ela lembra que a sucessão não necessariamente precisa ser para alguém da família, mas sim para alguém que tenha capacidade e paixão por gerir aquele negócio. “Há uma diferença entre herdeiro e sucessor. Herdeiro é quem vai herdar o patrimônio, e sucessor é quem faz a gestão. Não existe a obrigação de que o herdeiro seja o sucessor”, finaliza.
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