Para economista, é hora de repensar em possibilidades para um ‘mundo novo’.
Em tempos de crise global causada pela pandemia do novo coronavírus, muitas mudanças que sentimos nos hábitos de consumo e na forma de empreender vieram para ficar, aponta, num bate-papo com a Trinova, o economista Samy Dana, comentarista da rádio Jovem Pan. Muda nossa relação com o dinheiro, com as empresas e com os funcionários, enquanto mercados digitais são repentinamente financiados até pelos mais adeptos ao tradicional. O especialista é enfático em dizer que o momento é de desapegarmos de algumas rotinas e de nos prepararmos para um “mundo novo”. Doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Ph.D em Administração de Negócios pela IE Business School, Dana é especialista também em finanças e administração. Já trabalhou na TV Globo e, hoje, concilia a agenda entre carreira acadêmica e consultorias em empresas e em órgãos do governo. Na conversa que você confere a seguir, Dana ressalta à Trinova que repensar as relações com o mundo é um dos antídotos contra as sequelas pós-pandemia.
TRINOVA – Acredita que a relação das pessoas com o dinheiro vai mudar por conta da crise do novo coronavírus?
SAMY – Eu acredito que as pessoas vão refletir mais sobre o dinheiro, principalmente no Brasil, onde esta é a primeira grande crise que estamos sofrendo. As pessoas vão refletir mais em relação às reservas de emergência. Também estamos vindo de anos muito bons para a bolsa e isso aumenta a confiança nesses investimentos num período de ações mais baixas.
TRINOVA – Com o isolamento social, o e-commerce fincou sua importância como uma solução. Acredita que essa mudança repentina no comportamento de consumo se manterá após a pandemia?
SAMY – O e-commerce é um dos setores que deve ganhar mais protagonismo. Muita gente não o usava para supermercados, farmácias e outras coisas porque não confiava. Agora, as pessoas foram obrigadas a usar, e este hábito deve ficar.
TRINOVA – Quais cuidados os empresários devem ter ao tomar decisões no momento?
SAMY – Os empresários precisam tentar ser o mais tranquilo possível, segurar a barra. Mas isso depende do setor. Teve setor que perdeu 90%, teve setor que perdeu 10%, então há empresários que não estão conseguindo segurar a barra. Mas uma agência de turismo, por exemplo: ela é eficiente, ela se paga, está tudo bem. De repente, vem uma pandemia e a empresa percebe que passa a não ser mais eficiente porque não tem vendas. Não é que ela deixou de ser eficiente porque ficou negativa. E essa empresa não vale a pena fechar, porque, voltando ao normal, ela continuará gerando empregos e tudo. Então, não só o governo deve ajudar essa empresa, mas é uma empresa que operacionalmente se paga em condições normais. Então, o que o empresário deve pensar é se, pós-pandemia, ele conseguirá se manter em pé, porque o mundo vai mudar suas relações.
TRINOVA – E quais os caminhos de gestão você pontua para a superação da crise?
SAMY – Eu acho que em toda crise a gente tem uma redução de custos, tenta aumentar a produtividade e ser mais eficiente. Isso tem sido um exercício diário, fora o de refletir a nossa relação com o mundo, com as outras pessoas. E é preciso ver nossa fragilidade, porque talvez a gente se sinta muito empoderado. E acredito que os funcionários vão retornar da crise de uma outra forma, com outra visão.
TRINOVA – Como você enxerga o cenário brasileiro pós-pandemia em relação ao empreendedorismo e inovação?
SAMY – O Brasil ficou mais arriscado e o dólar disparou. Isso, sem dúvida, vai deixar o dinheiro mais escasso. Então, para as pessoas que estão captando dinheiro, vai ficar mais difícil. É claro que vão continuar tendo oportunidades de inovação e de empreendedorismo, mas dizemos que a exigência aumentou.
TRINOVA – E dá para estimar até quando vai a recessão?
SAMY – Este ano está fadado, e provavelmente ano que vem a gente vai começar a recuperar. Mas no final de 2021, a gente estará ainda num nível abaixo do que em 2019, por exemplo. Este ano estão prevendo 5% de queda [na economia]. Tem banco falando 7%, tem banco falando 10%. E aí, ano que vem deve dar uma recuperada.
TRINOVA – Você é otimista em relação à economia pós-pandemia?
SAMY – Sou uma pessoa otimista, mas se eu pudesse escolher, não teria a crise. A gente vai ter que fazer uma lição de casa. Essa conta que o governo está dando para ajudar as pessoas, porque é necessário, para ajudar as empresas, porque é necessário, terá de ser paga. Como? Fazendo ajuste fiscal, fazendo cortes. Porque não existe criação de dinheiro, não existe almoço grátis. Isso tem que ser pago, então vai demorar uns anos. Mas isso é melhor do que perder vidas, seja pela questão humana, seja pela econômica.
TRINOVA – Quais setores terão alta e quais terão baixa?
SAMY – Pós-pandemia, acho que, em alta, setor de seguros, setor de telecomunicações, porque as pessoas estão usando cada vez mais para fazer reuniões remotas, e o de e-commerce também. Em baixa, cinemas, entretenimento, pessoas que trabalham com eventos… E o próprio turismo não voltará a ser o mesmo.
TRINOVA – Como você avalia o comportamento do Brasil em lidar com a pandemia?
SAMY – Acho que a gente demorou um pouco para tomar ações econômicas, né. Primeiro, não ia ter ajuda nenhuma, depois foi decidido lá em Brasília liberar os R$ 600 do auxílio emergencial. O dinheiro demorou a chegar, mas o Brasil está lidando razoavelmente bem nas questões econômicas. Na questão de saúde, falta muita informação, falta um modelo que preveja melhor a evolução da pandemia, faltam testes. E aí, a gente vai ter em alguns estados, infelizmente, um colapso do sistema.
TRINOVA – A concessão de auxílios emergenciais do governo terá consequências a longo prazo?
SAMY – São importantes essas ações do governo, porque há pessoas que estão sem condições e vão morrer de fome. Quase todos os economistas ortodoxos sinalizam isso. Temos que olhar para o lado econômico depois. Então, apesar de isso ser positivo, teremos que pagar essa conta. Mas é menos negativo fazer essa ajuda do que deixar as pessoas morrerem. Falam que uma vida custa R$ 630 mil para a economia, mais ou menos, no sentido que a pessoa para de gerar esse dinheiro. A gente vai ter um endividamento público alto. Se não havia dinheiro, agora há menos ainda. Vai ter que privatizar, vai ter que fazer reformas tributárias, administrativas, talvez trabalhistas. O dinheiro tem que vir de algum lugar. Então, a gente vai sair da pandemia mais pobre do que a gente entrou.
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