Um dos maiores especialistas da área, publicitário Walter Longo reflete como a onipresença do virtual transforma o comportamento humano e impulsiona os pequenos negócios.
Como a evolução do digital está moldando nossos comportamentos? As lojas físicas estão morrendo? Vale a pena empreender do outro lado da tela? Enquanto a pandemia do coronavírus traz à tona questionamentos sobre o “novo normal”, um dos maiores estudiosos em inovação e transformação digital do Brasil, o publicitário Walter Longo reflete sobre os limites do online na mudança do modo de viver e de empreender. Grande crítico do “pós-digital”, indica que o virtual se incorpora cada vez mais, até nas pequenas ações do dia a dia.
“Não existe mais a divisão do online e do offline. Agora é o ‘on-off’, ou seja, daqui para frente as pessoas não vão mais nem perceber quando saem de um mundo e entram no outro”, explana durante bate-papo com a Trinova.
Longo é ex-presidente do Grupo Abril, foi conselheiro de Roberto Justus no reality-show O Aprendiz, da Record TV, e agora tem sua própria empresa de comunicação, a Unimark. O estudioso da transformação digital é categórico: corta conversa de gente que usa limitações geográficas, estruturais e financeiras como justificativa para ignorar as novas oportunidades.
“A gente tem que entender que a única limitação do empreendedorismo daqui para a frente é a da nossa cabeça. É uma limitação mental, e é isso que devemos evitar”, chama a atenção.
O Panorama de Negócios Digitais Brasil 2020, da startup HeroSpark, mostra que 54% dos empreendedores digitais ouvidos no levantamento abriram o próprio negócio no último ano.
Autor de livros de marketing, publicidade e de mídias, o publicitário estuda o “pós-digital” – período em que a tecnologia digital é onipresente. Para afirmar que o “online” é quase imperceptível, Longo dá como exemplo as lojas que oferecem opção de entrega em casa ou de retirada dos produtos diretamente no local.
‘O mundo é dos pequenos’
Quando o assunto é a era pós-digital, Longo alerta que está na hora quebrar o senso comum de que a receita de sucesso só funciona em empresas de grande porte. Ele afirma que cada vez mais “o mundo é dos pequenos” – que, dependendo do ramo, ganham mais protagonismo ainda durante a pandemia.
“No momento em que o mundo muda o tempo inteiro, é fundamental ter capacidade de adaptação, versatilidade. E quanto menor você for, mais fácil isso acontece”, indica o palestrante.
– A pesquisa da HeroSpark levantou que a maioria dos empresários digitais é Microempreendedor Individual
Segundo Longo, a vantagem para os pequenos negócios começou graças ao maior acesso à informação, promovido pela era pós-digital, e à possibilidade de alcance a um grande número de pessoas, mesmo trabalhando a partir de um ambiente que não demande estrutura física complexa nem tantos funcionários.
O publicitário usa marcas locais de biquínis como exemplo: até tempos atrás era necessário participar de feiras internacionais de moda para inserir o produto no mercado. No pós-digital, basta abrir uma loja virtual para que a roupa íntima seja rapidamente vista por todos.
– A maioria das empresas digitais tem apenas um funcionário, aponta o panorama de Negócios Digitais
Era do inesperado
Longo pondera que em tempos de grandes transformações no mundo, um dos problemas que pode desestabilizar uma empresa é o fato dos empresários se acomodarem quando passam a ter bons resultados. “Ao ir bem, minha tendência é achar que não preciso mexer em nada. E aí fico para trás. Temos que mexer também em time que está ganhando”, ressalta.
E é justamente este período um dos mais importantes para se exercer a curiosidade, afirma Longo. O mentor do digital indica que uma peça-chave para o sucesso é o empreendedor e os funcionários terem “CEO”: capacidade, entusiasmo e otimismo. Mundialmente, a sigla CEO é a abreviação de Chief Executive Officer – diretor executivo, em português.
“A Covid-19 traz ao mundo uma era do inesperado, em que a rotina muda rapidamente e as incertezas aumentam. Mas as pessoas curiosas nunca ficam paradas, sempre buscam fazer coisas novas, procurar caminhos diferentes, e isso é bom para uma empresa”, analisa.
‘Sociedade mimada’
Os estudos de Longo sobre a era pós-digital também indicam que as pessoas buscam cada vez mais serem tratadas como únicas na sociedade, o que faz aumentar a necessidade de os meios digitais encontrarem formas de fazer o público se sentir “exclusivo”. Entre as medidas, programas de fidelização de clientes, atendimento personalizado e Big Data – a astronômica quantidade de dados dinâmicos, gerada por segundo nos dispositivos eletrônicos, que permite que as empresas tracem tomadas de decisões.
“Cabe ao mundo entender que a sociedade está mimada e exigindo essa individualidade, inclusive da relação. Daqui para frente, as empresas têm que tratar pessoas diferentes de maneiras diferentes”, aconselha o publicitário.
– 29% dos empreendedores acreditam que Big Data será responsável pela transformação das empresas, mostra o panorama de Negócios Digitais
Longo avalia que muitas empresas ainda vivem o período da Idade Média na forma como lidam com os clientes. Ele apressa a necessidade de transição para a ‘Idade Mídia’: “O mundo digital proporcionou uma enorme quantidade de fazer isso [atendimento personalizado], independentemente do tamanho da empresa, a custos permissivos”.
Cuidado!
O especialista em transformação digital reforça que as inúmeras possibilidades do meio e a necessidade de tratar cada pessoa como um ser diferente também trazem consequências negativas. Entre elas, cita a grande quantidade de notícias falsas agravada pelos algoritmos que filtram as informações de acordo com o gosto das pessoas.
“A gente deixou de se deparar com o contraditório, que reforçava ou revia nossas teses. O algoritmo trabalha na busca do engajamento, que é formado a partir do que eu gosto”, completa Longo.
– Em 2018, o jornal Folha de São Paulo deixou de publicar notícias no Facebook. Justificou que a decisão foi porque os algoritmos reduziram a exibição do jornalismo profissional aos usuários
E há uma explicação do porquê a resistência ao contraditório, num fenômeno chamado viés de confirmação. Segundo Longo, o cérebro busca tomar decisões de forma rápida, fazendo com que o ‘diferente’ seja ignorado.
“No momento em que o mundo digital permitiu que fôssemos cada vez mais globais, nós estamos nos tornamos seres cada vez mais tribais. E isso é preocupante como sociedade”, lamenta.
A orientação do mentor de comunicação digital é de consumir além dos conteúdos selecionados pelos algoritmos, buscando o contraditório, para que a formação de juízos de valores seja mais saudável.
“É fundamental que a gente siga aquilo que gostamos e odiamos. A melhor forma de consumir comunicação é consumir muito, de tudo. E não ser apenas um scanner humano, que só lê o título. E aí, isso nos tira da zona de conforto”, destaca Longo.
Digital pós-pandemia
Com os novos hábitos durante a pandemia e especulações em relação ao ambiente de trabalho, o visionário das mudanças promovidas pela tecnologia vê uma ligeira potencialização do domínio do digital no mundo.
“Novos hábitos nos meios digitais vão crescer muito, mas isso não é o suficiente para mudar o mundo, porque nós somos seres gregários, gostamos de estar com as outras pessoas”, analisa Longo.
Para o publicitário, após a crise do coronavírus haverá dois caminhos que se cruzam: “O digital se fortalece um pouco mais, e o experiencial, que vai continuar apaixonando as pessoas e dando a elas um sentido de querer ficar com outras pessoas, viajar, experimentar”.
A explicação do especialista para a ‘falsa impressão’ de que os comportamentos serão radicalmente alterados após a pandemia está no que ele chama de ‘síndrome do velório de um amigo’.
“Sabe quando você chega num velório e fica lamentando a vida para o amigo? Que precisa cuidar mais da família, que precisa viajar. Uma coisa é a conclusão que você tira, outra coisa é a alteração do seu comportamento”, enfatiza Longo.
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